sexta-feira, 27 de maio de 2016

QUÁSI

Um pouco mais de sol - eu era brasa, 
Um pouco mais de azul - eu era além. 
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... 
Se ao menos eu permanecesse àquem... 

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído 
Num baixo mar enganador de espuma; 
E o grande sonho despertado em bruma, 
O grande sonho - ó dor! - quási vivido... 

Quási o amor, quási o triunfo e a chama, 
Quási o princípio e o fim - quási a expansão... 
Mas na minh'alma tudo se derrama... 
Entanto nada foi só ilusão! 

De tudo houve um começo... e tudo errou... 
- Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... - 
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, 
Asa que se elançou mas não voou... 

Momentos d'alma que desbaratei... 
Templos aonde nunca pus um altar... 
Rios que perdi sem os levar ao mar... 
Ansias que foram mas que não fixei... 

Se me vagueio, encontro só indicios... 
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; 
E mãos de herói, sem fé, acobardadas, 
Puseram grades sobre os precipícios... 

Num impeto difuso de quebranto, 
Tudo encetei e nada possuí... 
Hoje, de mim, só resta o desencanto 
Das coisas que beijei mas não vivi... 

. . . . . . . . . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . . . . 

Um pouco mais de sol - e fora brasa, 
Um pouco mais de azul - e fora além. 
Para atingir, faltou-me um golpe de aza... 
Se ao menos eu permanecesse àquem... 


Mário Sá-Carneiro

QUERO UM CAVALO DE VÁRIAS CORES

Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores, 
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.
Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.
Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.
Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores?
Reinaldo Ferreira

A RAPARIGA DO BRINCO DE PÉROLA

A modelo delicada, com seu olhar direto e os lábios entreabertos, é a obra mais famosa do pintor holandês Jan Vermeer, sendo considerada como a “Mona Lisa” da arte holandesa. Infelizmente, nada se conhece sobre a história de tão esplêndida composição, que apareceu pela primeira vez em 1881, num leilão em Haia, Holanda.
Ao olhar tão delicada composição, o observador é imediatamente cativado pela misteriosa moça com o seu turbante exótico. O tom de sua pele clara e pura é salientado pelo brilho de seu brinco de pérola.
É interessante saber que o turbante que Vermeer usa em sua modelo não encontra similar na pintura europeia, pois, no século 17, uma garota holandesa dificilmente seria vista usando um turbante. Por isso, os estudiosos no assunto acreditam que o pintor encontrou sua inspiração na pintura de Michael Sweerts, “Menino em um Turbante”, pintada cerca de dez anos antes da Rapariga com Brinco de Pérola.
Vermeer pintou a parte azul do turbante da rapariga com ultramarino natural, pigmento mais valioso do que o ouro, à época, feito de lápis-lazúli esmagado, que os contemporâneos do pintor dificilmente usavam, em razão de seu preço exorbitante. Mesmo na época em que sua situação económica era extremamente precária, Vermeer continuou fazendo uso de tal pigmento em suas pinturas, resultando num azul maravilhoso.
O brinco, que tanto chamam a atenção do observador, parece uma pérola branca. Foi feito com uma mancha branca espessa de empasto, sobre a qual incidem os mesmos raios de luz que iluminam o rosto, o turbante e o colarinho branco da moça.
O fundo preto da composição não mais possui a sua cor originária. Uma análise feita na obra revelou que poderia ter sido um verde brilhante forte e profundo, destacando ainda mais a beleza da figura. A cor preta aumenta a sensação de tridimensionalidade da moça.
A modelo veste uma roupa branca por baixo, cuja gola sobressai. Por cima usa uma peça rústica de cor ocre amarela, que se parece com uma capa ou uma outra peça de roupa folgada, de corte rústico, feita de tecido.
A pintura Rapariga com Brinco de Pérola foi completamente restaurada em 1994, quando deixou à vista o fantástico efeito tridimensional da figura, sua cor brilhante e detalhes dos tons da pele até então escondidos, mostrando como foram originalmente pintados. Pode-se ver, a partir de então, um diminuto lampejo de luz no canto esquerdo da boca da modelo, que muitos críticos de arte acreditam ser a primeira filha do pintor, Maria, que à época teria cerca de 12 ou 13 anos de idade. Ela é parecida com a mesma modelo de “A Arte da Pintura”.(http://virusdaarte.net/vermeer-moca-com-brinco-de-perola/)

quarta-feira, 25 de maio de 2016

BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…

E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.


Augusto Gil

ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade



quarta-feira, 20 de abril de 2016

Introdução

"Mesmo que seja frio
é preciso aquecer
pensar que somos um rio 
que vai dar onde quiser;

pensar que somos um mar 
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar 
de muitas maneiras."
(Ary do Santos "Era uma vez um país")



Neste blog eu vou abordar temas como a pintura e da poesia. Vou falar quadros por todos conhecidos, de poemas que eu simplesmente adoro. Vou falar das intenções dos pintores, das mágoas dos poetas. Vou falar dos desejos dos artistas, dos sonhos dos escritores. Eu vou falar da arte...



                                                                                                                         Clara Vargas